"Vejo o sol tocando a ponta do para-raio da cruz."
Estado de temor
Não adianta querer mudar o rio
Se a nascente continua a mesma
E não importa o tempo que levar
As águas sempre vão chegar ao mar
Não adianta nascer na burguesia
Pois pra má índole não tem educação
Só aprimoram os desejos mais insanos
Que por ventura irão leva-lo ao chão.
Há um abutre faminto dentro de cada um
E não adianta mostrar espantalhos
Que acuados não nos lembramos de etiqueta
Pois para as cruzes que nascem no chão não há colheita.
Astaroth com seus dois pares de asas
E sua beleza descomunal
Pousa sobre a casa dos horrores
O mês de agosto chega mais uma vez
O príncipe retorna como haviam profetizado
Para ceifar mais uma vez as vidas impuras
Agora cada parte do meu corpo estremece
Parece ser este o fim que o velho me contara as escuras.
Será o dia da minha desencarnação
De um sacrifício e do fim das histórias
Quem poderá continuar relatando
O que aqui dentro estará acontecendo.
Digo por mim.
Orem por nós.
David Edison Julião Saragosa
Estado de desolação
O cheiro das rosas
Ao anoitecer uma brisa suave invadiu meu quarto
Trazendo uma lembrança querida de muitos anos
Então sonhei com uma pessoa que há muito partira
E dentro deste sonho aprendi a enfeitar as palavras.
Quando acordei meu quarto estava frio
E um som, distante, de passos lentos, eu ouvi.
Fiquei parado imaginando quão grandioso seria
Um encontro inesperado de um amor do passado.
Ao abrir a porta de meu quarto
Avistei pela janela da sala uma moça
Vestida de rosa com laços frutuosos nas mãos
Que me olhava diretamente nos olhos com delicadeza
Aproximei-me, mas sua face não me trazia recordações.
Ao tentar tocar em seus laços, a moça distinta desapareceu.
Fiquei parado por alguns instantes pensando
Então chorei até a última lágrima do meu coração.
Quanto mais eu tentava recordar
Mais fracas ficavam minhas lembranças
Então quando tentei retornar ao meu estado normal
A moça voltara a aparecer com uma face enfeitada
Eu entendi quem era e eu me recordo de você
Quanto tempo esperou para vir me visitar
Enquanto o tempo todo meu desejo era lhe ver
Após tantos anos eu quase me esquecera do seu olhar.
De repente acordo, fico assustado, calado.
Foi tudo um sonho ou será que ainda continuo sonhando?
Percebo que a fragrância doce fora embora
Mas continuo ouvindo os seus passos lá fora.
David Edison Julião Saragosa
Paisagem de areia
Amigo, eu te encontrei na praia hoje
O dia é mais azul quando o sol está, vermelho
Os sons daquelas notas que ressoam em meu ouvido
Trás de novo as lembranças que um dia eu vi no espelho.
O papo não nos leva a nada
E o nada é uma curva tão próxima
Que quando nos encontramos do outro lado
Está na hora de virar de novo.
Se as claras ideias não nos permitem entender
O que diriam às escuras sem um sol ao entardecer?
Nossos reflexos moldados na areia
São tão frágeis quanto um barco de papel.
O cheiro das madeiras que nos moldam
Fazem claras escuras sensações
Ao tocar num simples sussurro da vida
Recriamos a natureza morta, dando outra chance.
Um violão para resfriar a mente
Alguns acordes tão conhecidos por nós mesmos
Uma ou outra pitada de sorte
É muito mais que um simples sorriso a esmo.
Para aliviar a tensão de nem sempre nos encontrarmos
Fiz uma paisagem grandiosa de areia
E espero que as águas do mar das quais nós fugimos
Não apague o que aqui dentro me incendeia.
David Edison Julião Saragosa
Se amor fosse
Se sorriso fosse
Aquilo que tens guardado
Seria tão arrepiante o ver manchado
Pelas pétalas de rosa murcha
De um buquê desabrochado.
Se sorriso fosse
O que eu diria de um dia perfeito
Com a grama cortada e o sol radiante
Se ofuscado ficasse pelas doces fases da lua
Em noites açucaradas, caminhando pela rua.
Se sorriso fosse
Uma gota perfumada de orvalho
Com plantas ávidas e vermelhas
E abelhas produzindo seu mel alaranjado
E o veneno marrom que, onde toca, deixa manchado.
Se lágrima fosse
Um coração pararia de bater
Um vaga-lume pararia de voar
E um amor acabaria por envelhecer
Pois o meu riso só é sorriso com você.
David Edison Julião Saragosa
O abrir das asas
A liberdade é a permissão desenfreada
É um ar mais puro, uma fruta mais doce.
A liberdade é passiva e aceitável
Perigosa e maleável.
Libertos do amor estão os desalmados
Libertos da raiva estão os imortais
Estamos presos à presença da liberdade
Pois nada é tão complexo, quanto os desiguais.
Libertar-se é sorrir na despedida
É não deixar abater-se diante da morte
É aplaudir quando lhe falta sorte
E, por que não, chorar ao se conquistar.
Liberdade, palavra triste.
Aos mortos libertos dessa vida
Aos moribundos em um beco sem saída
Às correntes que lhe saciam a fome.
Ninguém a possui
Todos a almejam
Muitos viram passar
Outros morrem sem provar.
David Edison Julião Saragosa
Vivo poesia
Vivo procurando a poesia
Mas de onde ela vem?
Será que estou no lugar errado?
Vivo procurando a poesia
Estando com a poesia eu viajei
Contos e fábulas eu interpretei
Com ela me despedi da terra
Estando com a poesia eu viajei
Respirando poesia estarei
Em cada pedra que escorregarei
A cada passo sem rumo
Respirando poesia estarei
Mas onde esta você poesia?
Será uma pessoa que há muito não vejo
Sinto-me presente à doce melodia
Mas onde esta você poesia?
Sinto que às vezes posso tocar a poesia
Falta-me apenas um sussurro
Mais um pequeno impulso de agonia
Sinto que às vezes posso tocar a poesia
Imploro por apenas uma luz, poesia.
Um sinal de fumaça de qualquer cor
Uma chance para provar do teu amor
Imploro por apenas uma luz.
David Edison Julião Saragosa
Estado de aflição
O encanto do desespero sussurra frio
Como um afeto para com o feto num quarto sombrio
Escoltado por cortinas tecidas com estranho fio
Afaga a alma, mas prolifera um enorme vazio.
Ao cair da noite na casa dos horrores
Escadas escondem o rufar dos tambores
Uma luz acesa no sobre piso sem cores
Atordoa até o mais frio dos senhores
O ritual começa sem a presença mais importante
A vítima parecia jovem com sua beleza estonteante
Em seu peito escorre, vermelho, uma adaga brilhante.
A oração foi feita e todos calados por um instante
O fim não chega quando estamos assustados
Nem a noite passa quando nos sentimos encurralados
A felicidade não voltará para os envolvidos
Assim como a vida não sorrirá nem falará em nossos ouvidos
Aaba chorou sangue por vários dias
Até ser levada a sala de redenção
Não ver mais o sangue, era uma de suas alegrias
Aos que foram poupados restou à aflição.
Nosso julgamento adiado por mais um ano
Nosso dever cumprido mais uma vez
Nossa tradição honrada sem ponderar
Nossa culpa imposta jamais vai acabar.
David Edison Julião Saragosa
Doação
Somente com você
Eu sou dez
Consigo ser uma letra e um número natural
Eu sou a base do sistema decimal
Retiro dois e nos veremos no final.
Eu sou oito
Sou dois números primos somados
Sou apenas mais um dois ao cubo
Então retiro dois e me descubro.
Eu sou seis
Sou um número perfeito como vocês
A teoria dos seis graus de separação
Vou retirar dois e fugir da explicação.
Eu sou quatro
Sou o primeiro número composto, então vou sorrir.
Não, vou chorar, no Japão eles acham que eu dou azar.
Então para encontrar a sorte, em dois, vou me dividir.
Eu sou dois
O primeiro número primo e o único primo par
O que mais eu poderia querer?
Mas na verdade, para ser dois, eu preciso de você.
David Edison Julião Saragosa
Acordes Julieta